Mentir em audiência trabalhista é motivo de prisão

Uma das definições do termo mentir é ‘proferir como verdadeiro o que é falso’. Tal comportamento é motivo, inclusive, de prisão, quando feito perante juiz. Foi isso que aconteceu com duas testemunhas de uma empresa de transportes na cidade de Campo Largo, interior do Paraná, durante audiência na Justiça do Trabalho.
De acordo com o processo judicial, a empresa era acusada de exigir jornadas de trabalho superiores a 12 horas diárias e prometer comissões por produtividade a caminhoneiros, mas não cumpria o combinado. Toda esta negociação era feita informalmente e os funcionários não tinham nada que comprovasse o acordo.
A versão dada pelas testemunhas de defesa da empresa foi desmentida durante a exibição de um áudio de outro representante da empresa, anexado ao processo a pedido do autor da ação. Ao comprovar a mentira, o juiz do Trabalho Marlos Augusto Melek expediu o mandado de prisão e os dois foram conduzidos pela Polícia Federal para prestar depoimento.
“Para restabelecer a ordem e devolver a dignidade da parte que estava sendo prejudicada com a falta de verdade que estava acontecendo no processo, julguei mais adequado, naquele momento, de forma extrema, mas necessária para devolver a dignidade para as partes e também para a Justiça, a decretação da prisão em flagrante por crime de perjúrio e falso testemunho", comentou o magistrado do Tribunal Regional do Trabalho no Paraná – que recorreu a este tipo de decisão apenas por três vezes durante seus 13 anos de carreira.
O artigo 342 do Código Penal prevê que, nos casos de falso testemunho ou falsa perícia, deve ser aplicada pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa. Apesar de haver previsão legal para o comportamento, a prisão não é uma prática comum.
“Somos muito prudentes em aplicar uma penalidade extrema dessa natureza. Se é pequena, em geral relevamos a mentira; se é um pouco maior, pode-se dar uma multa em dinheiro. Mas, como a conduta dessa empresa é grave, e as testemunhas são advertidas que não podem mentir em juízo, pode-se e deve-se decretar a prisão em flagrante”, explicou o juiz Melek.
Já em São Paulo, uma testemunha que depôs em favor da empresa foi condenada a pagar R$12.500 (5% do valor da causa) por mentir durante audiência. A penalidade foi dada com base na nova lei trabalhista, pois, de acordo com o entendimento do magistrado, a ex-funcionária de uma rede de restaurantes que entrou com a ação judicial foi potencial vítima de depoimento falso.
"(...) embora advertida pelo juízo acerca do delito de falso testemunho, [a testemunha] prestou informações não condizentes com a realidade”, disse em sentença o juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho, Dener Pires de Oliveira.
O Novo Código Civil Brasileiro considera, em seu artigo, litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos. A punição expressa é o pagamento de multa, que deverá variar entre 1% e 10% do valor corrigido da causa para indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
Em Alagoas, no julgamento de uma ação trabalhista movida contra um banco, o juiz do trabalho substituto, Flávio Luiz da Costa, condenou a testemunha do reclamante a pagar multa de R$ 3.200,00 por alterar a verdade dos fatos.
O magistrado Flávio Costa ainda frisou que a testemunha não prestou depoimento de forma equivocado por falta de experiência ou nervosismo, visto que já testemunhou em diversas outras ações e, portanto, conhece as peculiaridades das audiências.
"Não se trata de alguém que vem a primeira vez prestar um depoimento e que acaba desenvolvendo certo nervosismo - e com isto gerando alguma divergência ou omissão, já que a mente humana é falível", considerou o juiz do TRT-AL.
Ao fazer a comparação com os depoimentos das outras duas testemunhas, o juiz Flávio Costa enfatizou ter ficado evidente que a intenção foi alterar a verdade dos fatos e, dessa forma, modificar aspecto essencial ao julgamento da causa quanto ao pedido de horas extras, visto que indicou horário de chegada ao banco totalmente diverso do corroborado pelas outras duas testemunhas.
O magistrado também destacou em sua decisão que deu oportunidade de a testemunha se retratar, ao questioná-la por mais de uma vez se o depoimento seria mantido em sua integralidade.
"Mesmo reiterando o questionamento acerca do horário de chegada e de saída, ele manteve seu depoimento e, desse modo, alterou a verdade dos fatos de forma convicta", ressaltou o membro do TRT-AL.
Ao contrário de outros países, no Brasil os únicos obrigados por lei a dizer a verdade durante depoimento são as testemunhas. As leis nacionais produzem o entendimento de que ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo.
“A testemunha não deve ter nenhum interesse no resultado do processo, tendo, portanto, como única função comparecer em juízo para atestar apenas o que, eventualmente, tenha presenciado, de forma verdadeira. Esta regra é válida tanto para as testemunhas levadas a juízo por iniciativa do empregador, quanto para aquelas levadas por iniciativa do empregado”, explica o advogado especialista em Direito Trabalhista Felipe de Pádua.
Para o juiz Melek, as testemunhas são convocadas com a função de ditar a verdade. "O fato é que as testemunhas, quando vão a juízo, seja na Vara da Família, da Fazenda Pública, Cível, no Juizado Especial, ou na Justiça do Trabalho, vão lá para enaltecer a verdade e não para mentir", disse Marlos Augusto Melek.
De acordo com Felipe de Pádua, afirmar que a mentira é um elemento frequentemente presente nas ações e que conta com a anuência e o consentimento por parte de todos os advogados não é verdade.
“Porém, a prova testemunhal, por sua própria natureza, por vezes se presta para mascarar a verdade. Acredito que tal prática é episódica, e contam com alguns fatores humanos que vão do esquecimento dos fatos em discussão à deliberada vontade de desvirtuar a realidade, seja por pressão da parte, por ressentimento ou por falta de ética, auxiliando uma das partes na obtenção de um resultado imerecido no processo”, ressalva o advogado.
O Painel Urbano entrevistou o Juiz do Trabalho da 2ª vara de Maceió, Flávio Luiz da Costa sobre o assunto
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