Stalking em Condomínios: ameaça a segurança e a saúde psicológica de moradores

Stalking em Condomínios: ameaça a segurança e a saúde psicológica de moradores
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Imagine ser perseguido dentro do próprio condomínio em que mora. Você sai de casa e uma pessoa em específico sempre está nos mesmos espaços que você, seja na garagem, nos elevadores, nas áreas comuns ou até mesmo nos corredores dos apartamentos. Como se não bastasse, você ainda descobre que a pessoa em questão sabe tudo sobre você e sua vida pessoal… Parece uma ideia um tanto quanto assustadora e é justamente o que define um caso de stalking, o ato de perseguir alguém.

Em condomínios, os relatos de pessoas que se sentem perseguidas é comum, sejam moradores, colaboradores e até mesmo o próprio síndico. Essa perseguição afeta negativamente a vida coletiva, visto que a invasão da intimidade da vítima, chegando até a restringir sua liberdade individual, pode acabar gerando transtornos psicológicos graves e ameaçar a segurança geral do condomínio.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 foram registrados 77.083 casos de stalking no Brasil, representando um aumento de 34,5% em relação ao ano anterior. A pesquisa também indicou que, em média, houve um caso de stalking a cada 6 minutos e 48 segundos no país. Além disso, o estado de Alagoas revelou o segundo maior crescimento de casos desse tipo durante o mesmo período, com um acréscimo de 73,3%, ficando atrás apenas de Roraima, com crescimento de 121,1% dos casos. 

Essa prática é configurada como crime no Brasil desde 2021, quando a Lei 14.132/21, conhecida como Lei do Stalking entrou em vigor. A pena para quem comete a perseguição independente do ambiente é de reclusão de seis meses a dois anos e multa, podendo ser dobrada se o crime for cometido contra uma criança, adolescente, idoso ou mulher.

Conforme a lei, é crime “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

O que é um “stalker”?

O termo “stalker” deriva do verbo em inglês “to stalk” (ato de perseguir), que ganhou notoriedade nos anos 1980, com o assassinato do cantor e compositor da banda The Beatles, John Lennon, por um suposto fã. Na época a expressão era associada justamente à perseguição de fãs obcecados por celebridades. Porém, com o passar do tempo, a palavra passou a descrever qualquer tipo de perseguição persistente e não desejada, tanto no mundo físico quanto no virtual. Nesse sentido, um stalker é caracterizado por acompanhar ou monitorar alguém de maneira insistente, provocando medo, constrangimento e, muitas vezes, comprometendo a segurança da vítima.

Esse comportamento frequentemente envolve um controle excessivo da rotina da pessoa perseguida, invadindo sua privacidade de diversas maneiras. No cotidiano, esse controle se manifesta por meio de ações como seguir a vítima em espaços públicos, comparecer inesperadamente nos lugares que ela frequenta, fazer ligações telefônicas incessantes e enviar mensagens ou presentes não solicitados. Essas atitudes geralmente têm o objetivo de forçar algum tipo de interação, o que pode levar a consequências graves, incluindo ameaças e violência física, como explica o delegado da Polícia Civil do estado de Alagoas, Sidney Tenório.

“O crime de stalking é uma conduta que se baseia na perturbação e na reiteração de atitudes que causam incômodo e desconforto na vítima, podendo, inclusive, ser uma ameaça”, afirma.

Segundo o delegado, o crime se faz mais presente no ambiente virtual. O criminoso realiza um monitoramento do perfil da vítima nas redes sociais, envia mensagens constantes ou ameaçadoras e até pode criar contas falsas para vigiar o seu alvo. Além disso, disseminar boatos, difamar ou compartilhar conteúdos íntimos de maneira não autorizada faz parte das estratégias do praticante desse crime para humilhar ou causar danos psicológicos à vítima.

As ações de um stalker, independentemente do ambiente em que ocorrem, podem comprometer a saúde mental e a vida social da pessoa perseguida. Segundo a psicóloga Ellen Quintela a perseguição é um tipo de violência que causa uma sensação de constante insegurança, podendo ocasionar no surgimento de alguns transtornos psicológicos.

“A perseguição configura um tipo de violência. As violências ultrapassam o limite de um ser humano e mandam para o nosso cérebro a informação que estamos em perigo. Sendo assim, a vítima convive com a sensação constante de insegurança, medo e estresse, o que se torna um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos como: transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de estresse pós-traumático e transtornos depressivos”, afirma.

Como se manifesta no condomínio

No âmbito condominial o stalking pode assumir diversas formas de manifestação. Um exemplo dessa conduta, publicado em diversos veículos de notícias, ocorreu com Carla Pacheco (21), que passou pela experiência ao ser perseguida por um vizinho durante um intervalo de 7 meses. Pelas redes sociais, a jovem alegou que o stalker a encarava pela janela, a esperava no ponto de ônibus quando estava voltando do trabalho, e sempre quando a ouvia sair de casa corria para observá-la.  Aterrorizada com a situação, a jovem decidiu se mudar de seu antigo apartamento.

“Quando ele escuta o meu chuveiro, ele já vai para a esquina ficar me esperando. Ele sempre está com as mãos no bolso e anda com uma faca no condomínio, que muitos vizinhos já viram”, declarou em vídeo.

A história vivenciada por Carla pode ser caracterizada como um caso de monitoramento físico, em que o stalker observa a vítima a partir de locais estratégicos e está sempre disposto a encontrá-la. A psicóloga explica como esse tipo de situação afeta o comportamento e a perspectiva da vítima sobre sua própria casa.

“A casa representa um território de paz e tranquilidade. Ela geralmente tem o papel de ser o local onde nos dirigimos para descansar, ter bons momentos e, sobretudo, estarmos seguros. Nesse sentido, a situação de perseguição no ambiente residencial provoca uma mudança drástica e importante nesse cenário: a casa passa a ser sinônimo de insegurança e medo. Dessa forma, o morador é também vítima e pode construir novas associações para o conceito de ‘casa’ e apresentar dificuldades neste ambiente, mesmo que haja mudança para um local onde o perseguidor não esteja mais”, elucida Ellen Quintela.

O stalking também pode ocorrer mediante contatos não solicitados, no qual o perseguidor  tenta, a todo custo, entrar em contato com a vítima, seja pessoalmente, por telefone ou por meios eletrônicos. O envio de presentes e de mensagens ameaçadoras também fazem parte dessa conduta, além do assédio verbal e visual, por meio de comentários e insinuações intimidadoras que ferem a integridade da vítima.

Para a psicóloga, esse tipo de atitude prejudica o comportamento individual da vítima, impactando no seu bem-estar emocional e suas relações interpessoais. “Mudanças de comportamento drásticas são um indicativo para investigar a existência de sofrimento psicológico. A perseguição pode ser responsável por modificar toda a forma de interação do condômino, vítima desta violência, com outros moradores, provocando, por exemplo, distanciamento, haja vista que a convivência condominial pode passar a ser pautada no medo e na insegurança”.

O delegado da Polícia Civil afirma que a evolução dos meios de comunicação, principalmente com os recursos advindos com a normalização das redes sociais, facilitaram a prática desse crime. Conforme um estudo feito pela Kaspersky, empresa especializada em produção de softwares de segurança, 54% dos entrevistados que já foram vítimas de stalking afirmaram que o abuso começou pelo celular.

O que o condomínio deve fazer para prevenir o stalking

A orientação é o caminho mais adequado para a prevenção do stalking no condomínio. É necessário adotar uma abordagem colaborativa que envolva todos os condôminos, a fim de não sobrecarregar o síndico e a administração condominial. Desse modo, há algumas medidas tanto preventivas quanto corretivas que podem ser tomadas, garantindo a vivência harmoniosa do espaço coletivo.

Organizar materiais informativos para os moradores, contendo informações sobre o que é a prática do stalking e como identificar casos é uma ação que pode prevenir a ocorrência do abuso. Dispor as informações no quadro de avisos do condomínio ou no grupo dos moradores é uma opção de divulgação abrangente e pode ser uma maneira de evitar problemas futuros.

A adoção de medidas de segurança física no condomínio também é uma medida preventiva. Câmeras de vigilância em áreas estratégicas, como entradas, corredores, elevadores e garagens, e a manutenção adequada da iluminação, são ações que contribuem para o monitoramento dos espaços, além de ajudar a identificar comportamentos suspeitos.

Estabelecer canais eficazes de comunicação entre os moradores e a administração é outra forma de lidar com o problema. O condomínio pode oferecer meios anônimos para que os condôminos relatem incidentes de stalking ou comportamentos suspeitos, assegurando que esses relatos sejam recebidos e tratados com a devida atenção. Isso permite que a administração fique ciente dos eventos e possa adotar medidas preventivas e corretivas conforme necessário.

A administração condominial deve prestar atenção aos sinais de stalking e, ao receber relatos, agir de forma imediata. Em casos mais graves, buscar orientação de profissionais de segurança ou contatar as autoridades competentes pode ser necessário. Além disso, manter disponível uma lista de contatos de segurança e apoio especializado pode facilitar o encaminhamento de situações críticas.

Por fim, é preciso zelar pelas informações pessoais dos moradores. Limitar o acesso a dados privados e orientar os condôminos sobre como proteger suas informações, tanto no condomínio quanto em plataformas digitais, pode ajudar a evitar que essas informações sejam usadas de forma inadequada ou facilitando comportamentos de perseguição.

O delegado Sidney Tenório recomenda procurar a delegacia virtual da Polícia Civil quando uma conduta reiterada de perseguição for identificada. A vítima deve prestar o depoimento e registrar o boletim de ocorrência contra o stalker para que os órgãos competentes possam averiguar a situação e tomar as providências necessárias.